aos meus olhos tem se mostrado apenas reflexões valiosas e extremamente atuais que me fazem crer cada dia mais que o ser humano nunca deixará de ser uma ovelha no pasto

(Estou estudando Foucault e o mundo passa a fazer mais sentido agora)

(Corrigindo o que disse no Balanço de Fim de Ano)

Eu tenho a impressão de que a galera de esquerda leu, mas leu pouco de Foucault. Eles leram o suficiente para entender que o jogo de poderes se dá a partir do discurso, que as coisas se legitimam e se reproduzem a partir do discurso. Isso, somado às redes sociais, pareceu uma forma de impor um discurso “mais correto”. O problema é que, na guerra franca de discursos, o ignorante tende a vencer – ele é maioria. Por mais que as redes sociais façam textões e memes e vomitaços, quem determina o discurso vigente é, majoritariamente, as instituições que estão no poder. Essa parte do Foucault é que eles não entenderam. Não se muda o discurso na marra, como quis (e quer) fazer a esquerda – você cativa o outro a votar e eleger políticos que possuem esse discurso. Você valoriza imprensas e mídias que possuem esse discurso. Você fortalece marcas que tem esse discurso.¹ Superestimam o poder do povo e o poder das redes sociais. Somos apenas uma parcela, mísera, na constituição de valores como “correto”, “normal” e “verdadeiro”. As redes sociais, vistas pela esquerda como um meio para a revolução, nada mais fazem do que segregar e enfraquecer uma galera enraivecida. E quem dita os rumos do mundo segue sendo quem sempre ditou – os ricos, os políticos e os ignorantes.

¹ De acordo com Foucault, Verdade:

Conjunto de regras a partir das quais se distingue o verdadeiro do falso e atribui ao verdadeiro PODER.

A chancela do título “verdadeiro” legitima e empodera um discurso. Por isso, determinar O QUE é verdadeiro e o que não é se torna uma constante disputa e negociação entre as instituições do poder. Ele delineia 5 principais fatores responsáveis por determinar o verdadeiro:

1- Discurso científico e as instituições que o produzem (faculdades, revistas acadêmicas)
2- Consumo (de educação, de objetos, de empresas)
3- Grandes aparelhos políticos e econômicos (governo, empresas estatais, RI)
4- Debates políticos (nos sindicatos e faculdades)
5- Confronto social (a luta de classes)

Se analisarmos a partir dessa divisão do Foucault, o “povão”, a grande parte da população, e inclusive as redes sociais, atuaria efetivamente na produção do discurso apenas nos pontos 4 e 5. Esses, justamente, se restringem ao campo ideológico – falam de ideais, de conceitos, de coisas geralmente desapegadas da realidade. Todos os outros são restritos a uma minoria “terceirizada” (pois atuam em nome do todo) – políticos representativos, intelectuais e executivos.

Os intelectuais estão enfraquecidos. Isto por conta da pós-verdade. A única forma de balancear a equação é elegendo políticos com o discurso semelhante ao nosso. Fizemos isso com a Dilma, mas a pusemos em uma toca de lobos e ela se mostrou singularmente incapaz. Agora é preciso encontrar um novo rosto, um rosto carismático, e com um discurso mais condizente e vendável, para balancearmos a Verdade.

Quantas horas de sua vida os peixes estão tomando?

No “O velho e o mar” do Hemingway, um pescador idoso sente-se desafiado pela sociedade a capturar um peixe, e eis que, na busca que empreende, encontra um peixe gigante que agarra-se ao anzol e puxa seu barco pra bem longe, no alto mar. O idoso encara aquilo como o grande desafio de sua vida, e não mede esforços para resistir às insinuações do peixe. O embate dura dias e muitos quilômetros mar adentro, até que o peixe fraqueja e cai nas redes do velho. Acontece que, na longa volta para terra firme, o cheiro do grande peixe morto chama a atenção de uma infinidade de peixes pequenos, que atacam o barco do velho e se alimentam do peixão, fazendo o velho voltar pra casa, 5 dias depois de deixa-la, de mãos completamente vazias.

Eu sempre achei que essa história fosse sobre o homem que chega na terceira idade e precisa se reafirmar perante o mundo. Sobre a relação do homem com o mar e a natureza. Sobre persistência.

Eu nunca notei o verdadeiro sentido do livro: nenhuma conquista escapará aos olhos dos peixes famintos.

E aí tu arruma um emprego. E o primeiro peixe a morder seu peixão é o banco, que cobra 20 reais pra que você possa ter uma conta pra receber o salário. Depois, o peixe do transporte público te cobra 40 reais por um riocard e 3,80 por cada passagem. Se quiser utilizar trem, pode chegar a 7. Se for de outro município, meu irmãozinho, diga tchau pro teu peixão. Aí tu puxa distraidamente o celular e um peixinho faminto te assalta. Vai comprar um mimo na Internet e o peixe do frete é mais caro que o objeto. Só de pensar no imposto, 1/3 do teu peixão ja é, necessariamente, assaltado pelos peixes do Estado. Aí chegam as contas. E o peixe da luz, da água, do seguro e do gás praticamente acabam com a tua pesca. E ai, quando tu tenta tirar um pouquinho de proveito da tua empresa e trocar os restos do teu peixão por um pouco de entretenimento, não há diversão que não demande pelo menos uns 50 peixes se alimentando da carcaça esvaziada do teu patrimônio.

O mundo está irracionalmente faminto e seu peixe é apetitoso. Mas calma. Tu nem precisava de peixe mesmo, pescador. A tua função no mundo é pescar, não se aproveitar da pesca. Deixa isso pros engravatados. Amanhã o mar te espera novamente e ele não tolera atrasos.

Uma coisa que aprendi estudando Marx é que o dinheiro não vale o quanto ele vale. 5 reais não valem 5 reais. 5 reais valem o tempo que você trabalhou para conquistá-lo. Dinheiro é tempo. Se você ganha 50 reais por tarde de trabalho e gasta 50 reais em uma besteira qualquer, você não está jogando no lixo apenas 50 reais – e sim uma tarde de sua vida.

Quantas horas de sua vida os peixes estão tomando?