Maurício andava pela rua com o ar de que alguma coisa tinha acontecido e só ele não percebera ainda. Como numa final de campeonato de futebol, ou no dia seguinte ao do fim da novela. Olhava para os lados e via as pessoas andando apressadas, desconjuntadas, até dando pequenas corridinhas. Não eram muitas: por algum motivo assustador, as ruas estavam vazias, apenas poucas pessoas precisando se locomover rapidamente.
Olhou de soslaio para o lado e viu um carro freando dramaticamente numa esquina. Uma mulher saía correndo dele, e as pessoas ao redor se aproveitaram da descarga de adrenalina que aquela cena havia injetado na situação e começaram a correr também – cada uma seguindo seu caminho.
Via alguns carros, poucos ligados, a maioria com pessoas dentro deles estacionados. Alguns, nas ruas menos iluminadas, podia ver que tremiam. Os hotéis estavam cheios todos, mas em muitos sequer havia alguém na portaria. Passava na frente de um quando o olhou distraído e viu uma faxineira, empregada do hotel, sentada num banco da recepção com o porteiro. Era chique – o porteiro usava terno, gravata e tinha até um paninho no bolso do blazer. A moça, faxineira, é verdade, mas bonita também, com uma elegância peculiar única das pessoas que são felizes. Ambos conversavam de mãos dadas e sorrisos tímidos no canto da boca.
Continuou andando, já nem sabia mais pra onde. Provavelmente um meteoro cairia na cidade, ou uma dessas empresas de energia nuclear teria dado merda, ou um tsunami até. Olhou rápido para um bar e viu uma mesa de velhos, todos com camisas dos seus times de futebol, tomando um copo de cerveja e rindo com os amigos. Aproximou-se dali e pode ver, dentro do bar, uma TV ligada no jornal: os dois âncoras, um homem e uma mulher, ele com toda a calma e roboticidade comum aos âncoras de jornal, ela com a timidez das mulheres felizes e pegas de surpresa, protagonizavam um pedido de casamento.
Diante daquela cena, todos os velhos sentados à mesa fizeram silêncio, pegaram suas carteiras e, observando uma foto 3×4 que carregavam ali, transpareceram uma leve comoção. A cena lhe pareceu um tanto estranha pela instintividade – para aqueles homens, o ritual foi como comemorar por um gol ou fechar os olhos ao dormir. Foi então que Maurício percebeu que todas as pessoas que estavam em pé corriam, enquanto todas as sentadas estavam calmas. Procurou por um banco para ver se tinha alguma coisa a ver e, ao sentar em um que achou num canto escuro, percebeu que não, não tinha nada a ver.
Levantou-se e saiu do bar procurando por alguma explicação. Passou por uma praça, onde uma cena lhe espantou: viu dois casais, um hetero e um não. Os dois conviviam, não juntos, é verdade, pois cada casal estava unicamente intrigado com a própria conversação, mas em plena harmonia com o outro.
Passou em frente a uma igreja abarrotada de pessoas. Ora, pensou Maurício, é claro! “Vamos todos morrer e só eu não me liguei disso”. Se aproximou para ver se conseguia alguma informação. Percebeu o quão estranho seria perguntar “por que você está aqui?”, mas a situação toda era tão estranha que não havia outra alternativa.
– Por que – respondeu a primeira idosa – eu aprendi a amar.
Aquilo lhe deu um baque. “Ora bolas! Esses religiosos sempre falando de amor!”
Saiu da igreja e já começou a ficar um pouco desesperado. A estranheza dos últimos instantes lhe fizera perceber que, de fato, alguma coisa estava errada e só ele não sabia o que era. Continuou andando já sem saber para onde, até que percebeu que aquele lugar não lhe era de todo estranho: frequentara-o alguns meses antes, quando uma ex namorada morava ali. Depois que terminou com ela, percebeu que não havia mais motivos para voltar ali, apesar de ainda gostar do lugar. Tinha um pequeno parque um quarteirão depois da casa dela, onde ele se sentou e esperou pelo evidente apocalipse que, era claro, se aproximava. O céu estava com nuvens densas e escuras, mas o sol se pondo por trás delas dava uma coloração bonita ao fim da tarde.
Maurício encarou o chão por alguns instantes, desnorteado, e, quando olhou pra frente, pode ver que sua ex se aproximava andando rapidamente. Sentou-se do lado dele, segurou-lhe as mãos, e disse:
– Ainda bem que você me ligou.
– Eu… eu te liguei? – perguntou assustado, pois não se lembrava de nada de mais de uma hora atrás.
– Sim, seu idiota. – ela respondeu com um sorriso estampado – eu também… eu também ainda te amo.
Aquilo fez Maurício entender tudo. Era claro! Evidente!
O amor enfim começou a funcionar.
O conto é lindo… Não sei se consegui entender tudo do jeito certo, mas pra mim essa dúvida fez da história algo ainda mais incrível! Uma coisa meio machadiana (no lado bom da coisa) e ao mesmo tempo certa! Amei!